O Primeiro Audaxioso Brasileiro

Ola pessoal uma história cativante da força, perseverança e amor pelo ciclismo, vale a pena.
Em alguma noite do mês de janeiro de 2005 estou no centro de Garopaba passeando com a família. Parado na calçada sem querer olho para a traseira de um carro estacionado e vejo algo raro, muito raro, que talvez poucos pudessem entender o seu significado. Era difícil de acreditar, mas o carro estava com vários adesivos de Randonnées, mais conhecido como Audax no Brasil, uma modalidade muito pouco divulgada. Adesivos Randonnées Canadá, Boston Montreal Boston e Paris Brest Paris, seria possível? Quem teria participado de todos estes eventos? Possivelmente algum paulista do Clube Audax Brasil em férias nesta praia, mas a placa era de Garopaba. Resolvi esperar e conhecer o motorista. Estava ali a mais de ½ hora e nem sinal, resolvi deixar o meu cartão com e-mail, site, telefone e algumas palavras sobre Audax e randonnées, no pára-brisa do veiculo, mas fiquei por perto. Um minuto de distração e o carro desapareceu. Perdi uma grande chance de conhecer um ciclista, ou apenas um apaixonado por está modalidade de ciclismo de longa distancia.

Mais alguns dias na cidade e nem sinal de carro adesivado! Final de férias e nem sinal de receber algum improvável contato do ainda mais improvável ciclista participante destes desafios ciclísticos.

Em alguma noite do mês de julho de 2006 estou em casa em frente ao computador conferindo os e-mails e leio no assunto de um deles: Contato do ciclista de Garopaba! Pensei ser algum ciclista qualquer desta praia famosa a procura de alguma informação sobre algum texto que escrevi e publiquei em algum site! Surpresa, um ciclista chamado Kayo Oliveira, que reside em Boston, estava com o meu cartão deixado no para brisa do carro em Garopaba. Reside 6 meses em Boston e 6 meses em Garopaba. Retorno o e-mail e pesquiso a internet a procura de algum Kayo. Encontro resultados de randonnées de 400 e 600 km e uma foto de algum Paris Brest Paris. Conhecer um audaxioso que pedalou 600 em Boston já seria bom, poder conversar e trocar informações melhor ainda. Os e-mails demoraram a ter retorno, mas ficamos de nos encontrar em Garopaba no inicio de 2007.

Novembro de 2006 recebo um e-mail com fone, endereço e aviso que o Kayo estava em Garopaba e assim que eu estivesse lá deveria ligar para um encontro.

Na tarde do dia 17 de janeiro de 2007, estou em Garopaba ligo para o Kayo que atende o telefone. Quinze minutos e chego pedalando na linda casa de um senhor barbudo e simpático. Antes de tocar a campainha vejo na garagem o carro adesivado estacionado. As três horas seguintes passaram rapidamente e conversamos como velhos amigos ciclistas que a muito pedalam juntos. Como em um brevet o tempo passa rápido quando você está fazendo o que se gosta, como em um brevet, não existe diferença de idade, todos somos jovens.

A seguir relato um resumo das informações colhidas nesta conversa e nos demais encontros que tive com o meu amigo Primeiro Randonnéur Brasileiro. Este texto tem como objetivo divulgar a história desconhecida de um ciclista brasileiro, e deixar disponível um pouco das experiências que podem ser úteis para futuros participantes e organizadores de Brevets Audax. Este texto ainda representa um pouco do meu interesse por ciclismo e por história.

Kayo Oliveira, 61 anos é natural de Novo Hamburgo, RS, pedala desde os 16 anos de idade e está a 30 anos em Boston. Agora que está aposentado vive 6 meses em Boston onde vive a sua filha e 6 meses em Garopaba, onde reside sua mãe e irmão. Vive no verão, fugindo do intenso frio do inverno em Boston. Disse estar cansado de neve, mas nunca se sentiu cansado para pedalar sua mountain bike, com mais de 30 cm de neve nas montanhas locais a 10 graus negativos por 36km ou até mais!

Kayo pedalou o primeiro Audax em 1994, mas apenas depois de muita insistência de um amigo. Depois do primeiro audax de 200 ficou viciado e só parou por problemas de saúde.





Principais participações e comentários:

1994 até 1996: pedalou alguns brevets a cada ano.

1997: pedalou: 2 brevets de 200 km, 2 brevets de 300 km, 2 brevets de 400 km, 2 brevets de 600 km e um brevet de 1000 km. Todos em Boston.

1998: pedalou os brevets de 200, 300, 400, 600 e completou o Boston Montreal Boston 1200 km.

O BMB ( Boston- Montreal- Boston) é considerado o brevet de 1200 mais difícil devido a grande quantidade de montanhas a serem superadas, principalmente no primeiro e quarto dia de pedalada.

1999: pedalou os brevets de 200, 300, 400, 600 e o Paris-Brest-Paris 1200 km.

O PBP ( Paris Brest Paris) é o brevet de 1200 km mais tradicional, realizado a cada 4 anos a mais de um século, é o que conta com o maior numero de ciclistas participantes.

Kayo, mesmo residindo em Boston e tendo feito toda a sua preparação lá, participou do PBP como brasileiro, prova disto é que a placa que utilizava estava com a bandeira do Brasil

2000: pedalou os brevets de 200, 300, 400 e 600.

O brevet de 600 km de Boston é muito difícil, para muitos é mais difícil que o brevet de 1200 km. Os desníveis de altitude são muito grandes e dizem que quem completa o 600 em Boston está preparado para pedalar os 1200 km.

2001: pedalou os brevets de 200, 300, 400, 600 e o desafio 4x125 milhas de Boston (800 km).

2002: pedalou os brevets de 200, 300, 400 e 600. Participou do BMB 1200 para ajudar dois amigos, depois de 400 km na chuva no inicio da prova e dos amigos desistirem resolveu também abandonar.

2003: Depois de muitos problemas com o joelho fez uma cirurgia para colocação de uma prótese e não pedalou a partir de julho.

2005: pedalando devagar sofreu uma queda ao tentar tirar uma folha da roda dianteira. Caindo de cabeça no chão quebrou uma vértebra do pescoço. Acidente grave que poderia ter lhe tirado a vida, ou deixado com seqüelas graves.

2007: Após um longo tratamento, mesmo contra a vontade da família (devido ao acidente), se prepara para a partir de abril retornar lentamente as pedaladas.



Kayo não se define como um ciclista rápido, mas como um ciclista capaz de pedalar o dia todos sem ficar cansado!

Kayo participa da organização dos eventos em Boston como voluntário e demonstrou grande interesse em saber informações sobre os eventos realizados no Brasil.





Algumas dicas e sugestões de Kayo Oliveira



Para audax 1200 km

O mais importante:

1º obter o máximo de informação. Muita organização/ planejamento;

2º preparo psicológico;

3º preparo físico



Outros:

Luz é importante;

Não levar peso extra, levar o mínimo de material possível. Kayo afirma que sempre levou itens que não utilizou, mas preferia levar por segurança.

Utilizar complementos energéticos durante o PBP.



Sobre PBP 1999

Bike: Kayo utilizou bike modelo speed com quadro de cromoly italiano.

Pneus: As estradas são muito boas no PBP. Utilizou pneus 700x23c.

Hidratação: utilizou Camelbak para levar água. Garrafa de água com isotônico e outra com leite de soja e proteína que já tinha se adaptado bem anteriormente.

Bagagem: utilizou bagageiro pequeno fixado no canote do selim. Sobre o bagageiro utilizou bolsa/alforge pequeno. Dentro do alforge levou abrigo para frio e pernitos para uso noturno.

OBS: a organização do PBP cobra uma taxa para levar uma sacola de mantimentos do ciclista para alguns os pcs. Kayo utilizou está possibilidade para levar as barras de proteína e vitaminas reduzindo o peso para transportar na bike.

Iluminação: Usou dynamo de marca alemã no cubo dianteiro com dois faróis. O Modelo é muito bom, mas apresenta atrito o que faz diferença durante uma pedalada muito longa. Nas subidas desligava um dos faróis para reduzir o atrito. Utilizou ainda mais um farol a pilhas de reserva e uma lanterna de cabeça pequena sobre o capacete.



Curiosidades sobre PBP:

Kayo relatou algumas curiosidades sobre o PBP.

- Alguns ciclistas pedalam o PBP com bikes mono marchas e pinha fixa, uma verdadeira façanha;

- Relatou o fato de encontrar na largada um ciclista com uma bike muito velha e vestido com roupas rasgadas, quase como um mendigo. Depois quando chegou em um pc o mesmo ciclista já estava saindo, ou seja, estava pedalando na sua frente. Bicicleta não é tudo!

- Alguns dias antes do PBP, os ciclistas se reúnem no local da largada durante a noite para trocar informações e conversar!

- Conhece um alemão que reside em Boston, mas fala português, pois já morou na Bahia, que organiza/vende pacotes para quem quer pedalar o PBP. Pacote inclui tudo, passagem, hospedagem, inscrição, etc.

- Nos pcs do PBP, alguns, pode-se conseguir lugar para tomar banho;

- Em alguns pcs pode-se conseguir local para dormir em colchões. Kayo procurou local para deitar em um destes mas estavam todos ocupados com uns ciclista dormindo sobre os outros. Resolveu ir dormir na rua, onde deitou na grama e dormiu por 4 horas. Não teve dificuldades para acordar devido ao transito intenso de pessoas.

- Para as refeições enfrentou filas de até 40 minutos, segundo ele isto não foi um problema. Vale lembrar que o PBP de 1999, teve 3700 participantes.

- Segundo Kayo o PBP tem pouca divulgação, mesmo na França, principalmente se pensarmos na quantidade de pessoas envolvidas na organização, no numero de participantes, pessoas envolvidas de uma maneira ou de outra, no que movimenta a economia local, o que representa quase uma olimpíada.

- Para quem quer ir para o PBP aconselha a decidir logo e 6 meses é um período muito curto para organizar tudo o que pode ser necessário a começar pela hospedagem e a iniciar os treinos.

- Kayo teve dificuldades e não conseguiu entender a carta de rota/ guia de rota fornecida no PBP, seguiu apenas visualizando as placas do caminho que estão em cada esquina. Muitas vezes teve dificuldades em localizar estas placas confeccionadas com uma espécie de papelão plástico com seta de direção.

- Concluir o PBP com apoio é bem mais fácil. Quando você chega no PC já tem comida pronta, roupa para troca e local para dormir.

- O grupo dos ciclistas de Boston que participa do PBP não utiliza apoio. Segundo Kayo o barato é fazer sem apoio. Como subir o Everest sem utilização de oxigênio suplementar!





Comentários sobre organização de Audax em Boston:

Audax 1200 Boston Montreal Boston

BMB o audax com organização perfeita.

Segundo Kayo a organização do BMB gera trabalho para o ano todo.

Alguns detalhes comentados:

O BMB tem numero de participantes limitados devido a estrutura oferecida.

São 120 inscritos;

Valor da inscrição e mais de 300 dólares;

O participante tem alimentação, hospedagem, água disponível durante o evento, ou seja não precisa levar quase nada na bicicleta.

Possivelmente por ser um evento muito bem organizado, o que representa muito trabalho dos organizadores e dos voluntários ele não é um evento lucrativo e que enfrente dificuldades financeiras. É um evento que exige uma estrutura muito grande!

O BMB é organizado por um casal de amigos, a mulher cuida de toda a parte administrativa, burocrática e o marido faz toda a parte externa, medição de trajetos, marcações, etc.

O casal não pretende mais organizar o evento e procura alguém para continuar com a organização. Existe a possibilidade de depois deste ano de 2007 o BMB não ser mais realizado.

O BMB é realizado todos os anos a não ser nos anos de PBP.

O BMB tem pouca divulgação!

A marcação do trajeto do BMB é feita na pista através de pintura de setas no chão com tinta refletiva. Uma seta antes da esquina, uma seta durante o cruzamento e uma seta depois do cruzamento/esquina para confirmação do trajeto a seguir. Marcação destes trajetos é uma trabalho muito demorado e trabalhoso!

Alem da marcação do trajeto na pista o ciclista participante recebe um guia de rota.

O ciclista pode escolher o tamanho da fonte do guia de rota o que facilita para aqueles que tem problemas de visão!

Para o BMB os organizadores alugam um caminhão furgão/ carreta para o transporte de todo o material e estrutura da prova. É muita coisa a ser transportada e a organização possui um grande numero de matérias.





Conclusão após a troca de informações com Kayo



Os ciclistas participantes dos brevets Audax são semelhantes e enfrentam as mesmas dificuldades em qualquer lugar e o mesmo acontece na organização dos eventos.

Ainda temos muito o que aprender sobre ciclo-turismo de longa distancia e ao mesmo tempo já aprendemos bastante nos últimos tempos com as pedaladas nos brevets Audax.



Anotações de Luiz Maganini Faccin